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Papel da terapia medicamentosa da síndrome de cushing

A terapêutica cirúrgica continua, até o momento, a ser considerada a principal, para a síndrome de Cushing endógena, qualquer que seja a causa. Entretanto em certas circunstâncias, como preparo pré-cirúrgico, ausência de cura após a cirurgia ou impossibilidade cirúrgica, a terapêutica medicamentosa tem papel importante. As drogas que inibem a esteroidogênese, como mitotane, metirapona, cetoconazol e aminoglutetimida são as drogas de escolha qualquer que seja a causa da síndrome de Cushing. Cetoconazol constitui-se em nosso meio na droga de escolha entre os inibidores da síntese de cortisol. É uma medicação que pode ser usada a longo prazo e freqüentemente não ocasiona efeitos colaterais importantes. Os chamados neuromoduladores, como ciproheptadina, bromocriptina e ácido valpróico em nossa experiência tem pouco efeito na doença de Cushing. Somatostatina de ação prolongada como Sandostatin e Sandostatin-LAR podem ter papel importante na terapêutica da síndrome de secreção ectópica de ACTH/CRH. Quimioterapia e radioterapia têm indicações especificas nas diversas causas da síndrome de Cushing.

EMBORA UMA DOENÇA RARA, com incidência de 1:100.000 por ano, a síndrome de Cushing espontânea é uma situação devastante com morbidade e mortalidade que exigem terapêutica rápida e eficiente na maioria dos casos.
Certamente a terapêutica cirúrgica (adenomectomia hipofisária na doença de Cushing, cirurgia tumoral na síndrome de secreção ectópica de ACTH e nos tumores adrenais) apresenta estas características. No entanto, dificuldades diagnósticas e de localização do tumor (lateralização do tumor pituitário; localização de tumor com produção ectópica de CRH/ACTH), que ocorrem com frequência, tornam a investigação pré-terapêutica cirúrgica demorada, e neste período pode haver necessidade de se introduzir terapêutica medicamentosa.
Por outro lado, é frequente a não cura ou recidiva após adenomectomia pituitária, e nestas situações, enquanto se aguarda o resultado do tratamento a ser adotado, por exemplo radioterapia, a medicação também tem o seu papel na abordagem terapêutica.
Considerando-se as várias etiologias da síndrome de Cushing espontânea, nos deteremos nas terapêuticas medicamentosas utilizadas em cada situação clínica.
Doença de Cushing
A doença de Cushing representa aproximadamente 70% dos casos de síndrome de Cushing endógeno. Apesar de se considerar a presença do adenoma pituitário produtor de ACTH como a causa primária, a recidiva pós-remissão cirúrgica e a remissão espontânea descritas nesta patologia, sugerem uma causa extra pituitária (1-3). Naturalmente que erro diagnóstico e invasão de seio cavernoso podem ser causas de não remissão da síndrome clínica. Drogas que interferem na neurotransmissão foram demonstradas serem capazes de induzir remissão em alguns pacientes com doença de Cushing: ciproheptadina, valproato de sódio e bromocriptina. Finalmente, ciclicidade no quadro clínico e laboratorial tem sido descrito na doença de Cushing; em conjunto, os dados acima sugerem que alguns casos de doença de Cushing podem ser ocasionados por alterações nos mecanismos neuroregulatórios (SNC – Hipotálamo – Hipófise) (4-8).
Mais recentemente, Hogervorst e cols. (9) descreveram melhora de quadro clínico e laboratorial de hipercortisolismo em dois pacientes com doença de Cushing durante administração de ciproheptadina (24 mg/dia por 3,5 a 5,5 anos). Os dois pacientes apresentavam uma secreção de cortisol classificada como hiperpulsatil, padrão considerado por Van Cauter e Refetoff como decorrente de hipersecreção hipotalâmica de CRH (10).
                                         

Estes dados são sugestivos para os autores de que pacientes portadores de doença de Cushing, com padrão de secreção de cortisol hiperpulsatil e nos quais não se identifica lesão pituitária à ressonância magnética, podem se beneficiar da terapêutica com ciproheptadina.
Em nossa experiência o uso de ciproheptadina, bromocriptina ou valproato raramente produzem alguma melhora no padrão laboratorial da doença de Cushing, não tendo papel na terapêutica crônica deste tipo de hipercortisolismo.
A morbidade do procedimento cirúrgico (adenomectomia transfenoidal) na doença de Cushing pode ser verificada pelo sangramento profuso na sela turcica, hipertensão, diabetes mellitus, aumento da sensibilidade a infeções como meningite, cicatrização alterada, alterações psiquiátricas que contribuem para complicações (após cirurgias).
Portanto, um período de tratamento pré-operatório que controle o hipercortisolismo pode diminuir a incidência destas complicações.
 CETOCONAZOL
É um antimicotico oral imidazolico, potente inibidor da transformação de lanesterol a ergosterol, inibindo o desenvolvimento da membrana fúngica. Inibindo os sistemas enzimáticos citocromo P-450 em vários órgãos (fígado, rim, adrenal, testículos e ovários), o cetoconazol inibe as enzimas 17,20-liase, 11beta-hidroxilase e a remoção da cadeia lateral colesterol. Doses de 200 a 1200 mg/dia podem normalizar a secreção de cortisol nos pacientes com doença de Cushing (11-12).
Paralelamente à queda de cortisol, ocorre diminuição dos níveis circulantes de andrógenos, o que não ocorre com outra droga utilizada na terapêutica da síndrome de Cushing, a metirapona. Por isso, esta última é pouco recomendada para mulheres. O cetoconazol é bloqueador da síntese de colesterol, podendo reduzir também o nível de colesterol circulante, contrariamente ao que ocorre com o emprego de op'DDD (outra droga utilizada na terapêutica da síndrome de Cushing), o qual pode elevar os níveis de colesterol para até 500 mg/dL.
A absorção de cetoconazol é diminuída na presença de terapêutica antiácida (13).
Distúrbios da função hepática podem ser demonstrados em 10% dos pacientes (alterações de transaminases), sendo que toxicidade hepática sintomática pode ocorrer em 1:15.000 indivíduos, entre 11 e 168 dias após inicio da terapêutica. Aparentemente, elevação de níveis de enzimas hepáticas até três vezes o normal não requer interrupção da medicação e, quando necessário, a suspensão da medicação reverte rapidamente a elevação enzimática.
A diminuição ou normalização da excreção urinária de cortisol, paralelamente à melhora clínica de pacientes com doença de Cushing, nem sempre é acompanhada de elevação dos níveis sanguíneos de ACTH, o que pode sugerir uma concomitante ação hipofisária (14).
tabela 2 mostra a diminuição da secreção do córtex adrenal durante a administração de cetoconazol em pacientes com doença de Cushing.



Por agir diretamente na síntese de cortisol, cetoconazol tem sido empregado para diminuição da secreção deste hormônio em pacientes portadores de toda as causas de Cushing endógeno. Nós temos utilizado esta droga principalmente no pré-operatório, no preparo de pacientes aguardando cirurgia, ou nos pacientes não responsivos à terapêutica cirúrgica (por exemplo, após-cirurgia transfenoidal), mesmo naqueles com câncer adrenocortical, nestes casos geralmente associado com outras medicações.

METIRAPONA
Em baixas concentrações esta droga inibe competitivamente a 11beta-hidroxilase, responsável pela transformação da 11-deoxicorticosterona em corticosterona e de 11-desoxicortisol em cortisol e, em concentrações maiores, a quebra da cadeia lateral do colesterol (15). Embora seja utilizada há cerca de 40 anos (16), esta droga é preferencialmente utilizada de modo isolado na terapêutica clínica de síndrome de Cushing não ACTH dependente, uma vez que nesta condição, as células produtoras de cortisol aparentemente não sofrem a ação de ACTH, que poderia vencer o bloqueio enzimático.
Mais recentemente, o uso da metirapona na dose de 2 g/dia isoladamente e associada à radioterapia ocasionou remissão em 80% de pacientes com doença de Cushing (17).
O aumento induzido de 11-desoxicortisol ocasiona aumento na excreção de 17- hidroxicorticosteróides, por isso a monitorização deve ser efetuada através de cortisol urinário.
Pelo bloqueio da 11beta-hidroxilase, há aumento de precursores androgênicos e mineralocorticóides, com conseqüente hipertensão, acne e hirsutismo na terapêutica a longo prazo (18).

AMINOGLUTETIMIDA
Esta droga atua por inibição da conversão de colesterol em pregnenolona; portanto, inibe a secreção de estrógeno, aldosterona e cortisol. Pode também reduzir a capacidade de concentração de iodo da tireóide, ocasionando hipotireoidismo. Nas doses do 0,5g a 2g pode reduzir a secreção de cortisol. Entretanto, é freqüentemente associada com diversos efeitos colaterais como febre, rash maculopapular, febre e fenômenos neurológicos (sonolência, tontura), limitando substancialmente o seu emprego (19).

TRILOSTANO
É um inibidor fraco da esteroidogênese, mesmo em doses de até 1440 mg (20). Efeitos colaterais incluem diarréia e parestesias. Na monitoração do tratamento, as concentrações de trilostano devem ser avaliadas por cromatografia liquida, pois pode ser detectado em ensaios para 17-hidroxicorticóides e para dosagens de estrógeno e testosterona por RIE.

MITOTANO
(op'DDD; 9orto, para diclorodifenil dicloroetano)
É um isômero do inseticida p,p'DDD, congênere do inseticida DDT, que ocasiona atrofia adrenal em cães. Inicialmente, foi introduzido na terapêutica do carcinoma suprarrenal, porém Luton e cols. (21) relataram o emprego de altas doses de op'DDD na doença de Cushing (dose inicial de 12g/dia) com bons resultados. Posteriormente, Schteingart (22) relatou o emprego de doses menores de op'DDD (0,5g-4g/dia) sem que efeitos colaterais neurológicos ou gastrointestinais surgissem com esta posologia.
Nós empregamos op'DDD em associação com radioterapia hipofisária em pacientes com doença de Cushing: um paciente em que não houve cura após adenomectomia hipofisária e em outro onde a cirurgia hipofisária foi recusada pelo paciente.
Em ambos os casos houve remissão prolongada do quadro clínico, sem que houvesse surgimento de síndrome de Nelson.
Um dos efeitos colaterais do op'DDD é o desenvolvimento de hipercolesterolemia com elevação de LDL colesterol; pela alteração de proteínas transportadoras, o op'DDD pode também ocasionar diminuição de tiroxina total sem alteração dos níveis de T4 livre.
Outras drogas pouco utilizadas no controle da doença de Cushing, incluem: o anestésico etomidato, derivado imidazólico que inibe a 11beta-hidroxilase, e que pode ser usado em formulação parenteral (23) e o mefipristone (RU-486), que se liga competitivamente ao receptor de glicocorticóide (e de andrógeno e progesterona), inibindo a ação do cortisol endógeno (24).
Associação Cetoconazol e Octreotide no Tratamento do Hipercortisolismo ACTH-Dependente
Vignati e Loli (25) descreveram a normalização de cortisol livre urinário em 3 de 4 pacientes com hipercortisolismo ACTH-dependente através da terapêutica combinada de cetoconazol 400 mg/dia e octreotide SC 100 mg/8h – 100 mg/6h.
O efeito inibitório de cetoconazol na esteroidogênese adrenal é definitivamente comprovado; seu efeito nos níveis de ACTH plasmático é controverso. A falta de compensação no aumento de ACTH durante a diminuição da produção de cortisol é freqüentemente relatada em pacientes com doença de Cushing. Consistente com estes achados é o relato do efeito inibitório que o cetoconazol exerce nas células corticotróficas adenomatosas de ratos e humanos, descrito por Stalla e cols. (26) e Jimenez-Reina e cols. (27).
Por outro lado, apesar de evidência da presença de receptores de somatostatina em corticotrofos adenomatosos, somatostatina e octreotide aparentemente não inibem a liberação de ACTH (28).
No entanto, em pacientes com secreção ectópica de ACTH, octreotide exibe um efeito inibidor na secreção de ACTH, tendo papel relevante no tratamento do hipercortisolismo destes pacientes (29,30).
Este efeito se deve à presença de receptores de somatostatina e octreotide na maioria dos tumores neuroendócrinos. A associação de cetoconazol, diminuindo a produção de glicocorticóide em pacientes com doença de Cushing, poderia também aumentar a expressão de receptores para octreotide nas membranas dos corticotrofos normais e tumorais explicando, durante a associação, a queda de ACTH nestes pacientes (31).



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